29 maio 2006

Do que estamos a falar?

O solo, referido assim, deve parecer, à maior parte das pessoas, um tema estranho, desconhecido e algo longínquo. Por isso, é relevante entender que relações tem com o nosso mundo, como nos afecta e como o afectamos. Porque essas relações podem ser descritas segundo vários pontos de vista, o estudo do solo tem correspondido a essas necessidades.

Para esclarecer sobre as várias vertentes do conhecimento do solo, parece-me boa ideia usar os vários temas adoptados pela International Union of Soil Sciences (IUSS) para nomear as suas comissões científicas:

O Solo no Espaço e no Tempo

  • Morfologia e micromorfologia do solo
  • Geografia do solo
  • Génese do solo
  • Classificação do solo
  • Pedometria
  • Paleopedologia

As Propriedades e os Processos do Solo

  • Física do solo
  • Química do solo
  • Biologia do solo
  • Mineralogia do solo
  • Reacções interfaciais do solo

O Uso e Maneio do Solo

  • Avaliação do solo e planeamento do uso da terra
  • Conservação do solo e da água
  • Fertilidade do solo e nutrição das plantas
  • Engenharia e tecnologia do solo
  • Controlo da degradação, descontaminação e recuperação do solo

Outros

  • Solo e ambiente
  • Solo, segurança alimentar e saúde humana
  • Solos e alterações do uso da terra
  • Educação e sensibilização pública sobre o solo
  • História, filosofia e sociologia da ciência do solo

Os temas referidos são muitos e proporcionam muitas oportunidades para aprender mais sobre um recurso ainda a ser descoberto. Julgo que será boa ideia deixar as portas abertas.

26 maio 2006

Definição de solo

Deparo-me com várias definições de solo. Porque há sempre uma que tem algo que faz falta noutra, resolvi tentar compilar os conceitos que me pareceram mais relevantes.

s. m., do Lat. solu

Conjunto de materiais minerais, orgânicos, água e ar, não-consolidados, normalmente localizado à superfície da terra, com actividade biológica e capacidade para suportar a vida das plantas.

Como complemento, com um cariz mais enciclopédico, pode-se acrescentar o conceito moderno, traduzido e adaptado do
Soil Survey Manual:

O solo tem o seu limite superior na atmosfera ou, quando submerso, numa camada de água pouco profunda. Nos limites laterais transita gradualmente para águas profundas ou áreas estéreis constituídas por rocha ou gelo. O seu limite inferior é, talvez, o mais difícil de definir. O solo inclui os materiais próximos da superfície que diferem do material rochoso subjacente como resultado da interacção, ao longo do tempo, do clima, dos organismos vivos, do material originário e do relevo. Normalmente, a sua variação é gradual até ao limite inferior com o material originário, onde cessa a actividade biológica, e coincide com a profundidade de enraizamento das plantas perenes nativas.

Dêem também a vossa opinião.

ADENDA (21 Set 2006)
Ver também Redefinição de Solo

Gestão de resíduos de abate florestal

O problema da gestão dos resíduos de abate de povoamentos florestais está ligado à necessidade em reduzir a carga de detritos de modo a tornar possíveis as acções de preparação do terreno e de plantação. A outro nível é necessário também atender aos efeitos de cada opção de gestão daqueles resíduos sobre a produtividade, quer através da alteração das características físicas e químicas do solo, quer do papel que podem exercer no controlo da vegetação espontânea.

Se a opção de gestão for deixar os resíduos no terreno as grandes vantagens para o solo são as seguintes: maior devolução de nutrientes ao solo, maior teor em matéria orgânica (aumentando a retenção de água e a capacidade de troca catiónica), protecção do solo da compactação (feita pelos detritos deixados à superfície), redução da germinação da vegetação espontânea e diminuição das perdas de água por evaporação e da oxidação da matéria orgânica dos horizontes superficiais.

Não é de menor importância o modo como os resíduos são distribuídos no terreno, já que, para além do tipo de disposição espacial ser importante para a regulação do escoamento superficial em locais com declive elevado, a própria dimensão das partículas dos resíduos determina o tipo de destino que se pretende dar no curto prazo a alguns nutrientes neles contidos, nomeadamente o azoto.

No que respeita aos cepos, a sua remoção deve ser evitada por ser dispendiosa. Por outro lado, a sua posterior queima ou estilhaçamento conduzem sempre a perda de nutrientes. No primeiro caso, por volatilização, nomeadamente de azoto, e por convecção das cinzas elevadas no ar; no segundo, porque a redução da dimensão das partículas aumenta a competição entre os microrganismos e as plantas, diminuindo o azoto disponível na solução do solo.

A remoção total dos resíduos de abate tem efeitos opostos aos apresentados, só se justificando se os custos da extracção e transporte e da perda da fertilidade do solo forem compensados pela sua venda e pela diminuição dos custos de tratamento dos resíduos para os manter no povoamento. No entanto, os benefícios para o solo, ao manter resíduos no terreno, são dificilmente conseguidos recorrendo a métodos artificiais ou implicam custos adicionais. Em experiências realizadas em eucalipto tem-se constatado que numa exportação total da biomassa os balanços dos principais nutrientes são largamente negativos, variando as deficiências entre 45 e 75% das necessidades das árvores. Além disso, estes valores estão longe de poderem ser compensados através do balanço entre os inputs da alteração das rochas e entradas atmosféricas e os outputs devidos às perdas por drenagem.

O recurso ao fogo controlado justifica-se apenas por ser uma técnica barata para reduzir o volume de detritos de dimensão elevada, nomeadamente em locais onde a maquinização é difícil. Quando mal utilizado, o fogo controlado pode ser fonte de degradação para a estação florestal devendo por isso ter-se os seguintes cuidados: em primeiro lugar deve evitar-se temperaturas demasiado elevadas (>300ºC) que conduzam à perda de nutrientes por volatilização, à destruição da matéria orgânica (com consequente perda da estrutura e aumento da erosão) e ao favorecimento da vegetação expontânea; em segundo, para diminuir aqueles efeitos, mesmo após fogos devidamente controlados, o terreno deve ser imediatamente preparado e ocupado por nova plantação ou sementeira.

22 maio 2006

Solo, água e produtividade florestal

Sendo a quantidade de água transpirada e a produção de matéria seca funções da área foliar do coberto, compreende-se, como o demonstraram Bierhuizen e Slatier [1], que a produção esteja intimamente associada à transpiração. Ao nível da folha, o papel de charneira dos estomas na assimilação do dióxido de carbono e na transpiração, determinam a relação positiva normalmente existente entre os dois processos ([2], p. 33). Os povoamentos florestais, quando comparada com as culturas agrícolas rasteiras, apresentam elevado desenvolvimentos radiculares, elevadas resistências aerodinâmicas e reduzido albedo, estando por isso a sua produtividade particularmente dependente da quantidade de água disponível.

Entre o final da Primavera e o fim do Verão existem no clima mediterrânico condições de temperatura e luminosidade muito favoráveis ao crescimento florestal, no entanto a água, um factor vital ao crescimento, está normalmente bastante indisponível. Neste período, podem obter-se ganhos em termos de produtividade, tirando partido das características dos solos em prol de uma melhor gestão da água.

O solo modifica o efeito da precipitação e da evapotranspiração sobre o balanço hidrológico podendo alterar significativamente a quantidade de água disponível para o crescimento florestal. Por exemplo, em zonas com precipitação é abundante, o solo pode determinar uma baixa disponibilidade hídrica se apresentar uma capacidade de armazenamento baixa. Em trabalhos de cartografia de solos elaborados recentemente no norte e centro interior de Portugal detectaram-se capacidades de armazenamento de água médias das unidades pedológicas variando entre 25 e 200 mm [1]. A drenagem interna e externa do solo também afectam significativamente a água disponível (ou em excesso) e logo a água que é possível reter (ou que seria desejável drenar). A alternância entre a estação fria e húmida com a estação quente e seca, provoca mortalidade em muitas árvores devido ao dieback das raízes. Este facto ocorre porque as árvores diminuem a área foliar como mecanismo de evitarem a desidratação dos tecidos no período de défice hídrico, o que lhes impede de transpirar a água em excesso no solo no início das chuvas, conduzindo à asfixia das raízes ([4], p. 217).

Dada a importância do solo para a modelação e gestão da água, e a importância da água para a produtividade florestal, é urgente que as propriedades do solo sejam consideradas nos diversos estudos, planos e projectos florestais. No entanto, talvez pela escassez de informação deste tipo, verifica-se que aquelas ou são ignoradas ou no máximo reduzidas a valores hipotéticos padronizados generalizáveis a todo o país.

  1. Agroconsultores e Geometral (2004). Elaboração das cartas de solos e de aptidão das terras da Zona Interior Centro. IDRHa. Lisboa.
  2. Alves A.M. et al. (1990). Impactes ambientais e sócio-económicos do eucaliptal em Portugal". (eds. A.M. Alves e J.S. Pereira). Departamento de Engenharia Florestal, Universidade Técnica de Lisboa, Portugal.
  3. Bierhuizen J.F. e Slatyer R.O. (1965). Effect of atmospheric concentration of water vapour and CO2 in determining transpiration-photosynthesis relationships of cotton leaves. Agricultural Meteorology, 2: 259-270.
  4. Armson, K. A. (1979). Forest soils: properties and processes. University of Toronto Press. Toronto.

19 maio 2006

Solos com estratégia?

O início do período de discussão pública do PNPOT, trouxe algumas novidades. Em notícia divulgada no Público, o Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, João Ferrão, referiu que:

(...) para obviar ao problema da falta de cartas de solos actualizadas, estão a ser lançadas as bases de uma estratégia nacional de cartografia, em relação à qual será aberto brevemente um debate.

Parece que as necessidades de uma cobertura do território com uma cartografia de solos adequada às necessidades que o país actualmente enfrenta, se fizeram ouvir.

Já se esperou muito tempo. Demais.

17 maio 2006

O solo e o planeamento florestal

O solo é um dos factores do meio mais importantes para a definição da classe de qualidade da estação florestal, para além da precipitação, da temperatura, da luz e do vento, com os quais pode interagir alterando os seus efeitos. No entanto, quer o défice de informação disponibilizada pelo estado, quer os hábitos existentes na silvicultura (técnicos) em ignorar, ou quanto muito reduzir as propriedades do solo às da litologia, têm dificultado que o solo seja considerado de forma determinante na elaboração dos projectos florestais.

Embora a norte do Tejo, a região com maior potencial florestal, exista cartografia de solos e aptidão florestal à escala 1/100 000, o conhecimento sobre solos é praticamente inexistente à escala da gestão e do projecto florestal, determinando também a não existência de conhecimento sobre aptidão florestal. A sul do Tejo, existe cartografia de solos à escala 1/50 000, no entanto, a carta de capacidade de uso da terra dela derivada não se adequa minimamente à utilização para a floresta, sendo também muito limitada para diversos tipos de culturas agrícolas (pomares, arbustivas, etc.) e mesmo para os cereais já que não incorpora informação climática.

Para além do défice de informação, a não consideração do solo ou a conotação que se faz entre ele e a litologia nas aplicações florestais tem origem em diversos factores, que se passam a analisar.

Nos solos portugueses o material originário encontra-se próximo da superfície, conferindo-lhes espessuras relativamente reduzidas comparativamente com os solos de países de climas mais quentes e chuvosos. Por outro lado, grande parte das áreas atribuídas à florestação são declivosas, de impossível operacionalização em termos agrícolas, e consideradas, embora erradamente, como tendo sistematicamente solos pouco espessos. Embora genericamente aceite, a assunção de que os solos das áreas declivosas são pouco espessos é contrariada por trabalhos recentes nesses territórios à escala 1/100 000, onde se verificou elevada variabilidade de tipos de solos e a ocorrência de solos muito espessos também em declives elevados.

A permissividade relativamente à não consideração do solo parece ter sido particularmente facilitada num contexto de necessidade de rápida expansão da área florestal para abastecimento industrial, abundância de subsídios, baixa competitividade, reduzida valorização da floresta e menor expressão dos riscos associados ao investimento. No entanto, hoje em dia, o contexto económico e social é completamente diferente, caracterizando-se por um maior número de funções atribuídas à floresta, pela abertura dos mercados, pelo desinteresse crescente em relação à agricultura marginal, pelas alterações climáticas com efeitos na expressão dos riscos. Assim, é premente passar-se a conhecer e a utilizar informação adequada sobre solos e aptidão florestal (solo + outros factores) nos planos e projectos florestais.

Mas é também ao sector florestal, nomeadamente às autoridades que distribuem os subsídios e aos interessados na rentabilização da floresta, que cabe exigir a utilização de informação adequada sobre solos e aptidão florestal da terra antes da aprovação de projectos e planos de gestão. O velho hábito de ignorar o solo, ou quanto muito reduzi-lo a características litológicas gerais, tem que ser ultrapassado, devendo ser clara a relação entre o solo, a aptidão da terra e a avaliação de cada projecto.

Discussão pública do PNPOT

Começa hoje o período de discussão pública da proposta do Programa
Nacional da Política de Ordenamento do Território
(PNPOT), que terá a duração de 60 dias úteis, até 9 de Agosto de 2006.

A Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano (DGOTDU) apresenta o PNPOT como o

Instrumento de desenvolvimento territorial de natureza estratégica, de âmbito nacional, cujas directrizes e orientações fundamentais traduzem um modelo de organização espacial que terá em conta o sistema urbano, as redes, as
infra-estruturas e os equipamentos de interesse nacional, bem como as áreas de
interesse nacional em termos agrícolas, ambientais e patrimoniais. (...)

O PNPOT é constituído por dois documentos: o Relatório e o Plano de Acção. Em relação ao solo, no primeiro analisa-se o uso do solo e ordenamento agrícola e florestal, no segundo apontam-se os objectivos de definir e executar uma Estratégia Nacional de Protecção do Solo e de promover o ordenamento e a gestão sustentável da silvicultura e dos espaços florestais.

Voltarei ao assunto.

ADENDA (9 Ago 2006)
O período de discussão pública do PNPOT foi prorrogado até ao próximo dia 31 de Outubro.

16 maio 2006

Uma intenção

O solo é um dos recursos naturais que tem sido largamente utilizado pelo Homem. No entanto, o seu relevante papel na actividade humana não têm tido correspondência na divulgação do seu conhecimento.

O Solo Português inicia-se como espaço de publicação de informação sobre este tema. Pretende divulgar informação relacionada proveniente de vários sectores: queremos saber que políticas são definidas, que investigação é desenvolvida, que trabalhos são executados, que informação existe, como é o solo usado.

Com isso espera-se criar um espaço de partilha de informação disponível aos intervenientes e utilizadores do recurso solo. Porque se quer uma comunicação participada o espaço aos comentários está aberto.

Desta forma, julgamos estar a dar um pequeno contributo para colmatar a falta de informação e promover a divulgação de conhecimento importante e necessário.